A explosão da nova classe média roubou as atenções na última década. As empresas buscavam entender o que queria a legião de 3,3 milhões de famílias que, de 2006 a 2014, ascenderam das classes D e E para a C, segundo estudo da consultoria Tendências com base em dados do IBGE.
Muitas lucraram alto nessa onda, até a crise levar a uma freada brusca. Mesmo levantamento mostra que, entre 2015 e 2016, 4,4 milhões de famílias desceram da classe C para as D e E, diante do avanço do desemprego.
Mas engana-se quem pensa que essas pessoas deixaram de consumir — elas continuam comprando, porém agora medem mais as marcas que oferecem a elas uma relação custo-benefício melhor. Estão mais exigentes e seletivas.
— A classe C, no momento da crise, não deixa de amar as marcas, mas é como se as colocasse em stand by e adotasse algumas estratégias, como esperar promoções. Este consumidor aguarda o melhor momento para fazer um bom negócio — afirma Cecilia Russo Troiano, diretora-geral da TroianoBranding, responsável pela pesquisa “Marcas dos Cariocas”. — No Rio, essa estratégia é mais marcante, já que o carioca ainda tem forte o hábito de recorrer aos folhetos do varejo ou a guardar cupons.
Professora do MBA de Ciências do Consumo da ESPM-Rio e doutora em Administração, Tania Almeida, especialista em consumo popular, diz que o apelo de compra continua, mas com características diferentes.
Não há mais margem no orçamento para compras financiadas, mas o desejo de reformar a casa, fazer a festa de casamento ou de aniversário de 15 anos do filho, por exemplo, ainda faz parte da identidade dessas famílias, sem o frisson do bom momento econômico.
— A experiência dos últimos anos já transformou esses consumidores, e agora o desafio é compreendê-los depois que a poeira baixou. As marcas mais próximas os conhecem e adequam ofertas, por exemplo, e mostram que querem continuar fazendo parte da vida dele — explica a professora.
Segundo ela, essas marcas vão sair da crise ainda melhores. A professora cita o exemplo do Mercadão de Madureira, que mantém forte movimento, e do Supermercados Guanabara, com sua já tradicional liquidação de aniversário, que todos os anos leva milhões às suas lojas com descontos de até 60% em outubro.
Neste ano, nos primeiros dez dias do Aniversário Guanabara, as 25 unidades da rede receberam 3,2 milhões de clientes, movimento 6% acima do obtido na edição de 2016.
— Não é mera oportunidade para se desfazer de estoque, é uma ação coerente com a marca — avalia Tania Almeida.
O Guanabara foi o vencedor neste ano na nova categoria A cara da Baixada, que entrou pela primeira vez na pesquisa “Marcas dos Cariocas”. Albino Pinho, diretor de Marketing, diz que, com mais de 60 anos de existência, a marca já enfrentou crises piores, com inflação e taxas de desemprego maiores. Segundo ele, a estratégia é manter o crescimento reduzindo a margem de lucro.
— Hoje, o cliente não escolhe o produto somente pelo preço. Ele avalia a qualidade e a marca que vai colocar no carrinho. Isso nos fez repensar o estilo de compra. Atualizamos com frequência as ofertas para que o cliente possa estocar ainda mais produtos — comenta Pinho. — A circulação de clientes nas lojas em busca de produtos para armazenamento tem sido bem alta.
O estoque e a busca da economia por meio da compra de embalagens maiores, sobretudo em promoções, aparece claramente em pesquisa da Kantar Worldpanel em 11.300 lares no país. Em uma cesta com 96 categorias, o aumento geral no volume de compras em toneladas foi de 1,5%. Quando se analisada apenas a classe C, a alta foi de 3,1% em 2017 até junho, frente ao mesmo período do ano anterior. Destaque para higiene (5,5%), limpeza (10,1%) e bebidas (3,9%). Já em alimentos, o total geral caiu 0,4% e, na classe C, subiu 1,3%.
— O consumidor está aproveitando promoções e comprando higiene, limpeza e alimentos não perecíveis em embalagens maiores e os produtos perecíveis em menores, para reduzir a perda. A classe C está racionalizando seu consumo e dando prioridade a despesas básicas — afirma Christine Pereira, diretora comercial da Kantar Worldpanel.
Terceiro lugar na categoria “A cara da Baixada”, as Casas Bahia sentiram esse corte de gastos. Othon Vela, diretor de Marketing da Via Varejo, controladora da rede, conta que 2015 e 2016 foram anos difíceis:
— Se o consumidor não precisava, postergava a compra.
Agora, as ações de venda já começam a ter resposta, sobretudo após a liberação de mais de R$ 44 bilhões dos saldos das contas inativas do FGTS a partir de março. E o comércio pela internet, que tem grande penetração na classe C, afirma ele, é uma das apostas.
A especialista da Kantar, porém, frisa que, mesmo com a retomada gradual, os hábitos adquiridos neste momento de dificuldade vão persistir, com o consumidor cada vez mais consciente do valor de cada coisa.
Para Ulysses Reis, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas, muitas empresas que se voltaram à classe C durante a explosão, e agora enfrentam problemas, terão que reestruturar seu modelo de negócios.
— São consumidores que estão com o poder de consumo restrito e mais seletivo. Em vez de lucrar por venda, as marcas terão que buscar o ganho por volume e encontrar novas soluções.