Desde os 11 anos, Miriam Koga, 21, já notava a pouca presença de mulheres na disputa de olimpíadas de exatas das quais participava. Entre competições nacionais e internacionais, a jovem soma 46 premiações em disciplinas como matemática, física, química e astronomia. Mais tarde, estudou por dois anos engenharia de materiais no Georgia Institute of Technology, no estado da Georgia (EUA).
Quando a pandemia e o período de isolamento social começaram, Koga estava em um campus da universidade na França. Retornou ao Brasil e terminou o semestre à distância. Nesse período, começou a trabalhar na Tractian, startup que identifica falhas em máquinas industriais por meio da vibração sonora dos equipamentos.
Gostou tanto da experiência no empreendedorismo que trancou o curso e se tornou head de finanças e sócia. Por isso, Koga acompanhou os primeiros passos da startup, no início deste ano, para buscar investimentos na Y Combinator, aceleradora do Vale do Silício, na Califórnia (EUA). A gestora já fez aportes em empresas como Airbnb, DoorDash, Rappi, Dropbox e Twitch.
Na Tractian, ela desenvolveu habilidades de comunicação por meio das reuniões frequentes com gerentes industriais, uma lacuna que desejava preencher. Além das áreas de finanças e comercial, realizou projetos em paralelo com os times do jurídico, marketing e recursos humanos. No RH, a mesma deficiência dos tempos de escola apareceu também no ambiente profissional: faltavam mulheres. Ela entrou como a 7ª profissional da startup e primeira presença feminina, o que perdurou até a 16ª contratação.
Koga conta que algumas pessoas chegaram a ser entrevistadas, mas o perfil das candidatas era mais júnior, enquanto a procura para as vagas era para níveis pleno e sênior. “O pessoal começou a criticar os fundadores pela falta de incentivo, mas a gente estava tentando contratar mais mulheres. Era uma dor, uma dificuldade mesmo, e não só nossa. Os fundadores de outras empresas me procuravam no LinkedIn para ajudar nas contratações”, relembra.
A jovem buscava fazer algo diferente e manter ascendente a sua curva de aprendizado. Daí, veio o estalo para empreender e solucionar uma dor latente do mercado. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do IBGE, a força feminina no setor de tecnologia da informação era de apenas 20% em 2019. “Como eu conhecia as mulheres das olimpíadas, resolvi fazer a ponte, com a monetização e solução para um problema social”, diz.
Assim, vendeu a participação na Tractian em maio passado e, em junho, deu início às atividades da Dupla, plataforma que oferta vagas na área de tecnologia especificamente para mulheres. Apesar do pouco tempo, a startup já tem clientes como GuiaBolso, Conta Simples, Zaig, Fluke, Tractian, Turbi, Z1, Zapt, Adiante Recebíveis, Digipix, Labenu e Resilia. As vagas ofertadas pelos clientes da Dupla abrangem as áreas de front-end, back-end, ciência de dados e engenharia de software.
O “match” entre as profissionais e as vagas acontece da seguinte maneira: as candidatas entram no site, preenchem o formulário com as informações básicas e portfólio. A startup, por sua vez, faz uma varredura nos perfis e entrevista as candidatas mais qualificadas, fazendo a conexão com as empresas. No futuro, esse processo deve ser aprimorado com o uso de inteligência artificial. Na jornada, Koga conta com a sócia Barbara Machado, 23, estudante de ciência da computação e negócios na Minerva University, na Califórnia (EUA).
Em comum, além do alto desempenho acadêmico, está o fato de que ambas receberam ajuda para estudar fora – Koga teve o apoio da General Electric, conglomerado com negócios nas áreas de saúde, aviação e energia, enquanto Machado teve o auxílio de André Street, cofundador da Stone, fintech de serviços financeiros e adquirência. “Nós duas somos mulheres que passamos por essa mesma dificuldade no início”, diz Koga.
Atualmente, o banco de dados da Dupla tem 120 mulheres. Para aumentar a rede, as empreendedoras conversam com organizações voltadas às mulheres, escolas de programação e instituições universitárias. No horizonte, há o pensamento de trazer pessoas em nível sênior para serem mentoras, de forma voluntária, e contribuir com o crescimento de quem está em nível júnior.
O modelo de cobrança da startup leva em conta a performance após a contratação. “A gente fala que só vai ganhar se resolver a dor do cliente”, ressalta a empreendedora. No entanto, Koga considera que deve mudar a forma de monetização. Isso porque, da maneira atual, o serviço é similar ao de headhunter, o que não o torna escalável. No futuro, a ideia é ter uma mensalidade ou pacote pela contratação de determinado número de desenvolvedores, por exemplo.
Além de mudanças para abastecer o caixa, no radar da startup também está o atendimento a outras outros grupos subrepresentados, como negros, a comunidade LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. No momento, a Dupla tem um site que recebe as inscrições dos interessados. Mas a proposta é desenvolver uma plataforma mais parruda até o final do ano. Neste sentido, há conversas com a ESPM para que alunas de tecnologia da instituição possam contribuir com a construção do novo espaço digital.
Como espelho, as sócias observam a americana PowerToFly, plataforma que conecta pessoas para vagas em companhias como Siemens, Deloitte, Facebook, Uber e Dell e já recebeu US$ 7 milhões em aportes da Crosslink Capital, Lerer Hippeau e Hearst Ventures. “Esse nicho de recrutamento ainda não está no Brasil. Você consegue filtrar vagas para mulheres ou homens, mas não para minorias. Estamos observando como eles fazem. Vimos que dá certo e o mercado está em crescimento”, finaliza.