“Nasceu dentro de uma caixa de sapato.” Essa é a frase que José Augusto Barboza, 26, usa para descrever seu pai, Renato Barboza, fundador da La Femme, empresa familiar de calçados nascida em Birigui, no interior de São Paulo. A companhia com fábrica própria, que hoje produz sapatos para mais de mil multimarcas do Brasil e do mundo, tem uma história de mais de 80 anos e é gerenciada pela terceira geração da família.
A inserção no ramo dos calçados começou em 1939, com o bisavô de José Augusto, que era viajante e vendia sapatos na cidade de Franca, também no interior de São Paulo. A habilidade de vendas foi passada de pai para filho. O avô da família, também francano, tornou-se então representante de calçados de uma fábrica e lojista em São José do Rio Preto, interior paulista. Passando para a próxima geração, Renato Barboza assumiu a representação do pai na cidade.
Em 1982, Renato foi para o Canadá, onde aprimorou seu inglês. Mais tarde, graças à fluência na língua estrangeira e à fase de abertura das exportações no país, viajou mais de 50 países vendendo sapatos e representando marcas nacionais. Em meio ao sucesso, mal poderia imaginar que sua carreira como representante estava com final marcado.
À beira da crise mundial de 2008, a fábrica em que Renato trabalhava estava para fechar. Sem ter como arranjar um novo emprego ou abrir um negócio, o representante de São José do Rio Preto recebeu o convite de Jeff Tjon, um amigo do Suriname residente no Brasil, para uma fazer uma parceria: ir à China importar calçados.
Oportunidade em meio à adversidade
A história da La Femme teve início em meio a turbulências. As consequências da crise financeira tornavam os negócios mais difíceis. Para proteger a indústria nacional, o governo brasileiro passou a adotar as medidas antidumping. Assim, todo sapato fabricado na China era taxado ao chegar no país para ser vendido. A ação, somada ao cenário macroeconômico de 2008, passou a inviabilizar as operações da parceria.
Buscando uma luz no fim do túnel, a dupla de amigos optou por iniciar a fabricação própria dos calçados. Em vez de importar os produtos finalizados, passaram então a comprar as peças necessárias para realizar a produção.
O local escolhido para sediar a fábrica foi Birigui, cidade referência em calçados infantis, mas que levava a fama de oferecer produtos baratos e sem qualidade. De acordo com José Augusto Barboza, que assumiu a direção da empresa no ano passado, a aspiração inicial da La Femme era quebrar esse paradigma. Formado em Administração pela FAAP, ele relembra: “Meio que ignoramos o fato de haver uma crise e apostamos em ter algo em que a gente acreditava”.
Em 2010, a família Barboza saiu de São José do Rio Preto rumo a Birigui para participar da administração dos negócios. A partir de então, a empresa passou a se profissionalizar, participando de feiras e estandes coletivos. Segundo José Augusto, o contato com clientes em eventos foi essencial para entender as necessidades de consumo e priorizar a venda de um produto esteticamente bonito, enquanto agrega valor ao calçado, aliando-se à construção de uma marca forte.
A empresa que começou como um pequeno negócio familiar hoje emprega mais de 150 funcionários direta e indiretamente. O ecossistema presente no parque fabril de 2.500 m² é responsável pela produção diária de 1.500 pares. Além de se tornar referência no segmento de calçados flats com pedrarias no país, a La Femme produz para mais de mil lojas não só no Brasil, mas também em países como África do Sul, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e Paquistão.
Atendimento humanizado e a crise do coronavírus
Como inúmeras empresas mundo afora, a La Femme sentiu os impactos da pandemia. O diretor diz que a companhia encarou uma queda de quase 70% no faturamento entre março e abril. Além disso, funcionários tiveram que ser desligados, e os que se mantiveram empregados passaram a receber salários com redução. “Foi um momento que nós não esperávamos. Tudo apontava uma alta de produção e de vendas, porém virou de ponta cabeça”, lamenta José Augusto.
Ainda que as dificuldades se mantenham, como a alta do dólar e o valor dos fretes aumentados, o membro da família Barboza explica que a empresa está se adaptando ao novo momento. Ele conta que a La Femme estreitou ainda mais o relacionamento com os clientes durante esse período. “Conversamos um por um, explicando a situação na fábrica”, diz. “Tentamos ser o mais maleável possível dentro das nossas possibilidades para se ajudar nesse momento. Não tinha pra onde correr.”
Para o diretor, o respeito, a empatia e a humanização do atendimento não só para clientes, mas também para funcionários, são pontos cruciais para o sucesso da La Femme. Mesmo com a pandemia, a empresa está prosperando. Prestes a abrir a segunda unidade, em Araçatuba, a empresa já tem planos de inaugurar a terceira loja física em 2021, em São José do Rio Preto, cidade natal da família.
Contra a tradição: da venda física para o e-commerce
Atualmente, o e-commerce ocupa um espaço considerável dentro da empresa, mas nem sempre foi assim. Quando a ideia das vendas diretas ao consumidor por meio da internet foi oferecida à fábrica, houve relutância. “Eles pensavam: como vou vender meu produto na internet se o lojista está vendendo no ponto físico?”, conta José Augusto. A presença online da La Femme começou tímida em 2017, usando um marketplace. Gradualmente, a marca foi ganhando espaço em sites como Dafiti e Mercado Livre.
Um ano e meio depois, a fabricante de calçado viu seu e-commerce nascer. “Foi super positivo, cheio de aprendizados. A venda online é muito diferente da venda física”, comenta o diretor ao relembrar o processo. Segundo ele, o ambiente digital faz com que os clientes tenham inspiração e desejem os produtos, estimulando as vendas. “É a vitrine da marca.”
Durante a pandemia, o e-commerce da La Femme ajudou nas vendas, mesmo que em um volume muito pequeno se comparado ao montante total da fábrica. Ainda assim, cresceu quase três vezes mais do que no ano passado. Ele explica que o novo modo de vendas está ganhando importância dentro da fábrica, representando 5% das vendas de toda produção.
Um dos projetos mais recentes da marca – que surgiu durante a quarentena – é disponibilizar um site focado no modelo B2B, ou seja, da fábrica para os atacadistas. O novo canal deve ficar pronto entre o final de outubro e o começo de novembro. “O papel dos representantes e da indústria será um mix do online e offline e do antigo com o novo”, afirma José Augusto.
O caminho inverso da globalização: do interior para o mundo
Com experiência profissional no varejo e em marcas renomadas da indústria, o diretor da La Femme reconhece que há um “gap gigantesco” entre pequenos fabricantes e grandes nomes do ramo de vestuário. De acordo com ele, as indústrias menores são voltadas em grande parte a atender lojistas por meio de representantes, em vez de ter como core business o consumidor final. “Há uma carência muito grande nas fábricas do interior porque elas detêm o mercado e a produção e ficam à mercê dos grandes lojistas e varejistas”, afirma.
Ainda segundo José Augusto, uma das principais intenções da empresa é trazer o marketing e posicionamento de marca para dentro da fábrica, valorizando a produção própria. Ele conta que, hoje em dia, 80% do que é produzido é voltada para os calçados da La Femme, enquanto 20% é destinado a fabricar para outras marcas.