Com o avanço da vacinação no Brasil e a queda no ritmo de contaminações pelo novo coronavírus, é hora de começar a pensar na volta ao escritório. É bom avisar logo de cara: retornar ao esquema de trabalho do pré-pandemia não é uma opção. “O que vamos viver agora é o modelo híbrido, digital”, afirma Daniel Machado de Campos Neto, CEO da consultoria de recursos humanos EDC Group.
A mudança veio para ficar, e a nova forma de trabalho deve ser estimulada, completa o especialista. “Muitos CEOs estão querendo que todos os colaboradores voltem ao presencial, 100% do tempo. Argumentam que, no home office, perdeu-se a cultura da empresa”, diz. “Sugiro que usem o presencial para reforçar os valores da companhia, enquanto a execução da rotina do colaborador pode ser feita de onde ele quiser.”
Por se tratar de uma mudança radical no modo como a imensa maioria das pessoas sempre trabalhou, no período de adaptação ao modelo híbrido, sobretudo, os gestores devem ter paciência e jogo de cintura. “Precisamos ser mais flexíveis. Isso está sendo exigido pelos colaboradores”, afirma Fernando Guimarães, líder da área de soluções e implementação de estratégia da Korn Ferry na América do Sul.
A consultoria global divulgou em maio passado uma pesquisa com quase 600 profissionais sobre o retorno ao ambiente de trabalho. Mais da metade (55%) se diz estressada só de imaginar ter de pisar no escritório. Quase 80% das pessoas caracterizam a volta à rotina pré-pandemia como “difícil” e “estranha”. Três em cada quatro contam que, em casa, desempenham suas funções com mais energia e foco. De fato, não será fácil. Mas é possível tornar esse processo mais ameno para todos os envolvidos. Confira a seguir as dicas dos especialistas.
Ouça seus colaboradores
O primeiro passo em direção a essa nova forma de trabalho é mapear os processos da empresa e estar atento às necessidades de cada um. “Escute o colaborador e entenda como seu time e sua força de trabalho estão se sentindo nesse momento”, diz Fernando, da Korn Ferry. Isso significa conhecer realmente seus funcionários. O trajeto e os meios de transporte de cada um deles até a empresa, seu estado de saúde (físico e emocional) e como sua família se organizou durante a pandemia, por exemplo. Muitas crianças ainda requerem a atenção dos pais nas aulas virtuais. “Entender o que o colaborador espera desse novo momento do trabalho faz uma grande diferença”, conclui Fernando.
Dê poder ao RH
Poucos entendem mais sobre os colaboradores de uma empresa do que o time de RH. Longe de ser apenas responsável por contratar novos talentos, essa equipe precisa ser ouvida neste momento de transição: seja na hora de levar novidades adiante ou no momento de revogar medidas, se for preciso dar um passo atrás. É o que diz Luciene Magalhães, sócia de capital humano da KPMG. “É necessário um time de RH que tenha ingerência sobre as mudanças que podem ser feitas, e isso tem a ver com a governança, aquilo que vai ditar o caminho da empresa”, afirma. Segundo ela, é arriscado colocar em prática um novo modelo de trabalho sem a governança adequada.
Facilite as conexões interpessoais
“Depois de mais de um ano trabalhando em casa, muitos funcionários se sentem profundamente desconectados dos outros”, escreve a consultora Constance Dierickx em artigo na Harvard Business Review. Isso, segundo ela, pode afetar o desempenho. Vários estudos já demonstraram que a conexão com os colegas ajuda a enfrentar situações de estresse e aumenta o engajamento. “É muito mais fácil deixar um emprego no qual a pessoa se sente solitária ou onde faltam conexões interpessoais”, diz a consultora. “Como líder, você pode criar o ambiente ideal para ajudar os colaboradores a voltarem a se reconectar.”
Crie (ou mantenha) um comitê de crise
Esses grupos de colaboradores que contribuem para a gestão em momentos de tensão e mudanças foram criados por muitos negócios na pandemia. Para Luciene, da KPMG, se esse for o caso da sua empresa, vale a pena manter o comitê ativo, por meio de reuniões periódicas. Do contrário, é hora de formar um grupo do tipo, ainda que com poucos integrantes, mas com colaboração de diversas áreas da empresa. “Ainda estamos em uma pandemia. A mudança é constante e, por isso, é preciso estar preparado para avaliar as novas necessidades da empresa”, diz ela. “Esse comitê faz parte da governança da empresa, e ela precisa estar imbuída de diversidade também.”
Tenha apoio jurídico
Frente a diferentes projetos de lei, reformas e novos dispositivos de legislação, tal como as medidas provisórias 1045 e 1046, questões jurídicas ganham grande importância. Os temas podem envolver tanto o regime de trabalho quanto o funcionamento de setores específicos da economia. Companhias de médio porte precisam de respaldo interno. Já as pequenas empresas podem contratar esse serviço na forma de consultoria ou terceirização, caso não haja um colaborador com as competências necessárias para fazer essa leitura. “A questão legal é importante. Por exemplo: como saber que determinado estabelecimento pode estar aberto?”, diz a executiva da KPMG. “É preciso ter alguém de olho nessas questões.”
Formalize procedimentos e prioridades
Os dias ou semanas que marcam a volta ao escritório e a implementação de um sistema híbrido podem ser confusos e estressantes para os colaboradores – ainda mais num momento em que muita gente se sente sobrecarregada. É fundamental estabelecer ordem na realização de projetos e formalizar os processos. “O procedimento não é uma regra chata: ele consolida as melhores práticas e o know-how da empresa em um documento disponível para todos”, diz Daniel, da EDC. Feito isso, é preciso combinar com a equipe como priorizar o que tem de ser feito durante o dia. O executivo afirma: “Sempre vai ter mais coisa para fazer do que a gente dá conta, então é preciso priorizar”.
Dê adeus ao microgerenciamento
“Acabou a cultura do microgerenciamento e do imediatismo”, diz Daniel. Agora é hora de confiar no time. Seja em um modelo híbrido, seja com uma força de trabalho presencial em número reduzido, torna-se impraticável manter um contato direto com todos os colaboradores a todo o tempo. É o fim daquela conversa de corredor ou daquela visitinha à mesa para pedir um relatório. Com isso, também surge a necessidade de mudar a ordem de funcionamento dos processos. “A cultura antiga é a cultura da tarefa, mas o novo cenário é o da missão”, explica o executivo da EDC. Diferentemente da tarefa, pontual e rotineira, a missão engloba etapas de um projeto que pode envolver vários colaboradores.
Invista no escritório
O retorno exige mudanças no espaço físico. Entre reorganização dos móveis e investimentos em equipamentos, existem várias maneiras de aumentar a segurança anticovid. Algumas medidas dependem de um arranjo entre os colaboradores. É o caso da redução no número de mesas, que exigirá um rodízio entre os funcionários. Cada um deve ter sua própria garrafa de água e o bebedouro tem de ser automático. Além disso, completa Daniel, nessa nova organização, a ida ao escritório deve priorizar a troca de experiências entre colaboradores, como acontece nas reuniões de equipe.
Comunique os novos protocolos de segurança
É possível que nem todos os colaboradores tenham em mente os novos protocolos de segurança. E aqui não se trata apenas de usar máscara, higienizar as mãos com álcool em gel ou ter bons modos ao tossir – é uma questão de entender o novo funcionamento da empresa. “Aí vem a parte da comunicação, que deve envolver o time de RH e, se for o caso, o time de facilities”, explica Fernando, da Korn Ferry. É preciso deixar claro todas as mudanças com um tempo hábil para entendimento. “A comunicação precisa ser reforçada: se você é gestor e quer falar sobre algum tema, que tal gravar aquela fala e disponibilizá-la em vídeo na nuvem?”, completa Daniel, da EDC.
Fique de olho na produtividade
Com todas essas novidades, é preciso também implementar um controle para saber o que tem funcionado e o que deve ser repensado. “Fique de olho na produtividade”, sugere Fernando, da Korn Ferry. “Pense de três a cinco KPIs [indicadores de desempenho] de diferentes áreas, teste esses KPIs por um mês e volte a escutar seu time, fazendo pesquisas de engajamento.” Para o especialista, esses indicadores não precisam ser complicados, até porque se trata de uma análise rápida de um novo sistema de trabalho. As pesquisas com os colaboradores também não devem ser complexas. Uma série de perguntas em um formulário online já pode trazer boas respostas sobre o andamento da empresa.